Wellington Nogueira Santos*
Por sua competência no desenho de ambientes, de edificações e de cidades, o arquiteto e urbanista é obrigatoriamente incluído no rol dos profissionais que têm a contribuir na concretização dos direitos humanos. Não como um operário, limitado à execução de ordens, mas pensando soluções para os problemas que literalmente se interpõem como barreiras na caminhada humana, impedindo as pessoas de exercer seu ir e vir, de acessarem os serviços públicos e de viverem com dignidade. Sem dúvida, a dignidade da pessoa humana é um princípio que rege toda a concepção de seu habitat, nas dimensões individual, familiar e comunitária.
A ampliação do acesso à justiça – no sentido da prestação jurisdicional – é o traço mais marcante da evolução judiciária no Brasil nas últimas décadas. Rondônia tem uma especial participação nisso, que remonta à Operação Aciso, experiência de justiça itinerante que precedeu a Operação Justiça Rápida e outras ações congêneres que se multiplicaram Brasil afora. Notório o esforço institucional dessas ações de aproximação dos serviços de prestação jurisdicional com os públicos isolados geográfica ou socialmente, impróprio seria questionar-lhes acessibilidade física, até porque empreendidas, no mais das vezes, em instalações cedidas por outras instituições.
Assim, propôs-se empreender pesquisa que se atenha ao recorte dos ambientes onde ordinariamente se faz a prestação jurisdicional: os fóruns; abordando-se, dentro do universo de usuários, as pessoas com deficiência (PCD), sobretudo física ou motora e visual, dentre outros públicos com limitações de locomoção, permanentes ou temporárias, como idosos, grávidas, condutores de carrinho de bebê, acidentados, dentre outros. Geograficamente, o recorte se deu na cidade de Porto Velho.
Já nos primeiros levantamentos in loco, realizados com a orientação de um docente da Arquitetura e a colaboração de uma voluntária cadeirante, percebeu-se a diferença nos níveis de percepção e cognição da problemática da acessibilidade, no tocante às barreiras físicas, não apenas de uma para outra instituição visitada, mas também de uma pessoa para outra dentro das equipes responsáveis por prover os fóruns de recursos de acessibilidade.
A partir dessa constatação inicial, evidenciou-se que os trabalhos de conscientização nem sempre requeiram o aporte de talentos e competências externas, mas possam ser desenvolvidos dentro das próprias instituições, se promovido um diálogo produtivo entre os diversos atores organizacionais, com troca de informações, observações e partilhas vivenciais, em grupos que abranjam os mais sensíveis e os que ainda são menos sensíveis. Até porque não se trata apenas do desenho arquitetônico dos espaços, ambientes, vias e equipamentos; mas, sobretudo, do uso que se faça de tais elementos no dia a dia.
Carrinhos de limpeza nos banheiros de PCD é algo que foi detectado em locais com mão de obra terceirizada de zeladores, prejudicando a manobra de cadeiras de rodas e a circulação de modo efetivo das pessoas com deficiência. Comportamentos desse tipo apontam para necessidade de que o profissional da arquitetura não se limite à concepção dos espaços e equipamentos exigidos por lei, mas vá além disso, percebendo as necessidades paralelas, como, no caso, a de dispor-se de lugares apropriados e exclusivos para a guarda dos equipamentos de limpeza, o que se vislumbra que possa contribuir para evitar más práticas, constituindo um melhor ambiente de trabalho: efetivamente acessível, resiliente a barreiras físicas e atitudinais e, portanto, empático.
Nesse sentido, mais uma vez cabe ao arquiteto uma contribuição ainda maior do que aquela que comumente é chamado a dar, pois tem esse profissional a competência de não apenas desenhar ambientes, mas de pensar de forma orgânica e sistêmica o seu uso, comum, alternado ou concomitante, pelos diversos usuários, sejam eles componentes do público interno ou externo.
E a reflexão sobre o compromisso em concretizar direitos humanos, inspirando-se continuamente na observância da dignidade da pessoa humana, ainda que despojada de lateralidades científico-jurídicas de caráter e aplicabilidade mais específicos, é seguramente um norte para o arquiteto e urbanista, mormente em sua caminhada como pesquisador e produtor de abstrações científicas que alimentem a evolução do pensamento arquitetônico e possam vir fomentar o desenvolvimento das tecnologias na área.
Nota do autor: Os trabalhos em campo são realizados com a orientação do arquiteto e urbanista Antônio Lopes Balau Filho, com a participação da consultora de acessibilidade Rossilena Marcolino.
* O autor é arquiteto e urbanista, pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito e Justiça.