Gastos desnecessários com capacitações presenciais nos EUA, que poderiam ser feitas no Brasil, aponta denúncia
Denúncia recebida pela Revista Sociedade Militar diz que o Exército Brasileiro estaria realizando gastos desnecessários ao enviar oficiais superiores para os Estados Unidos para realização de cursos relacionados a acidentes com aeronaves.
O denunciante, que solicitou o direito de anonimato, argumenta que o Exército tem optado por enviar oficiais superiores para cursos de segurança de vôo na Califórnia, nos Estados Unidos no Southern California Safety Institute, mesmo quando os mesmos cursos estão disponíveis no Brasil, gratuitamente, através do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA).
Ele destaca ainda que os cursos realizados no exterior são caros e têm uma carga horária muito inferior àqueles similares ministrados pelo CENIPA e, em alguns casos, são oferecidos de forma online, o que eliminaria a necessidade de deslocamento para os Estados Unidos e os altíssimos custos associados à viagem, hospedagem, diárias etc.
“Para minha maior surpresa, chegou ao meu conhecimento, que neste ano, serão enviados mais 6 ou 5 oficiais superiores (pilotos) para realizarem cursos no instituto, que totaliza mais ou menos com diárias e passagens, somando o envio de 2023 e o deste ano, 2024, aproximadamente 500 mil reais gastos em cursos que estão sendo realizados presencialmente, mas que poderiam ser realizados no formato online…”
Os cursos são também oferecidos na modalidade online
“estaria enviando oficiais superiores para os Estados Unidos para realizarem cursos na Califórnia, o que me causou estranheza, pois o CENIPA forma tais profissionais sem custo algum para a União. E além do CENIPA ainda existe a possibilidade da realização de cursos nesta área no ITA (pós graduação e mestrado), que é uma instituição de reconhecimento mundial… os cursos em questão, são oferecidos pelo Southern California Safety Institute, e que são oferecidos na modalidade presencial ou totalmente a distância. <https://scsi-inc.com/2024-Course-Schedule> … ”
Segundo informado no e-mail recebido, um dos cursos realizados no exterior é o curso de investigação de acidentes aeronáuticos CIAA que possui inclusive carga horária dez vezes inferior ao curso de investigação do CENIPA. “Tal situação pode ser comprovada comparando-se o currículo co CIAA ministrado no Brasil…”, diz a informação.
Os currículos dos cursos realizados no Brasil comparados com os realizados no exterior
Questionado pela Revista Sociedade Militar sobre a quantidade de militares enviados para realização dos cursos, quantos seriam enviados nos próximos anos e os motivos para que os cursos não fossem realizados no Brasil, já que os currículos dos cursos seriam homólogos ou proporcionam a mesma capacitação no Brasil, na Força Aérea Brasileira e teriam, segundo a denúncia recebida: “conteúdo considerado até mais extenso que o AAI realizado no SOUTHERN CALIFORNIA SAFETY INSTITUTE”, o Exército Brasileiro a princípio se negou a prestar esclarecimentos completos, informando apenas que teria enviado 5 militares para realizar os referidos cursos, ignorando as outras questões colocadas.
Resposta inicial: “… o Gabinete do Comandante do Exército (Gab Cmt Ex) informou que 5 (cinco) militares realizaram os seguintes cursos no Southern California Safety Insitute, no período em comento: Investigação de Acidentes de Helicópteros, Operational Risk Management, Helicopter Accident Investigation, Aircraft Accident Investigation e Unmanned Aerial Systems. Por fim, eventual recurso deve ser dirigido ao Chefe do Estado-Maior do Exército.”
Resposta completa: Após questionamento então dirigido ao Chefe do Estado Maior do Exército, que é o General de Exército Richard Fernandez Nunes, a força reformulou a resposta e explicou que – entre outros motivos – a interação proporcionada por um curso presencial garante ao militar a oportunidade de “interagir com instituições civis e militares de diversos países… adquirindo, dessa forma, inclusive em oportunidades de convívio extracurriculares, conhecimentos e experiências que não seriam alcançados na modalidade de ensino à distância”.
Sobre os currículos homólogos e a possibilidade de realização dos cursos no Brasil, o Exército explica que apesar de possuirem nomenclaturas semelhantes, os cursos ministrados pela Força Aérea Brasileira contariam com diferenças curriculares significativas: “… os cursos e estágios de Segurança de Voo, ministrados pela FAB, possuem nomenclaturas semelhantes, mas contam com diferenças curriculares consideráveis em relação àqueles realizados no exterior ”.
A resposta completa do Exército Brasileiro enviada à Revista Sociedade Militar
… No corrente ano, 2024, há previsão de envio de 5 (cinco) militares para realização de cursos voltados para a Segurança de Voo no Instituto de Segurança do Sul da Califórnia (Southern California Safety Institute – SCSI, em inglês), sendo 2 (dois) para a Investigação de Acidentes Aeronáuticos (Aircraft Accident Investigation – AAI, em inglês) e 3 (três) para os Sistemas de Aeronaves Remotamente Pilotadas (Unmanned Aircraft Systems – UAS, em inglês). Para o próximo ano, 2025, há previsão para 4 (quatro) militares, sendo 2 (dois) para cada curso mencionado.
Os cursos podem ser ministrados pelo SCSI em duas modalidades distintas: ensino à distância (EaD) ou de forma presencial. O Exército Brasileiro (EB) opta pela modalidade presencial, pois, assim como outros órgãos e agências, incluindo o próprio Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) da Força Aérea Brasileira (FAB), o EB a vê como o método mais vantajoso. A seguir, elenca-se algumas justificativas:
– em Segurança de Voo, o intercâmbio e a troca de conhecimentos e experiências entre entidades correlacionadas, como as dispostas no sítio de internet da própria instituição, é fundamental para incrementar a prevenção de acidentes aeronáuticos no país. O militar designado tem a oportunidade de interagir com instituições civis e militares de diversos países, como a National Transportation Safety Board (NTSB) norte americana, Organização de Aviação Civil Internacional (OACI), Força Aérea Americana, entre outras, adquirindo, dessa forma, inclusive em oportunidades de convívio extracurriculares, conhecimentos e experiências que não seriam alcançados na modalidade de ensino à distância;
– em ambos os cursos, como pré-requisito, o militar a ser designado deverá já ter formação prévia em curso ministrado pelo CENIPA. Para o AAI, o oficial piloto, ou seja possuidor do Curso de Piloto de Aeronaves, deverá já ter realizado o Curso de Investigação de Acidentes Aeronáuticos (CIAA), enquanto que, para o UAS, como não existe ainda similar no país, o militar designado deverá estar em função diretamente atrelada aos Sistemas de Aeronaves Remotamente Pilotadas (SARP) e possuir, no mínimo, o Curso de Gestão da Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CGPAA), sendo Elemento Credenciado em Prevenção (EC-Prev). Portanto, os militares que realizam os cursos no SCSI já realizaram seus similares no país ou possuem credenciamento na área de Segurança de Voo. Desta forma, o objetivo principal é fazer com que esses militares complementem, ampliem ou consolidem conhecimentos, agregando novas experiências que contribuirão para aprimorar competências exigidas para o desempenho de seus cargos. É importante salientar que os cursos e estágios de Segurança de Voo, ministrados pela FAB, possuem nomenclaturas semelhantes, mas contam com diferenças curriculares consideráveis em relação àqueles realizados no exterior;
– no caso do AAI, a segunda semana de curso conta com uma parte prática em sítio de destroços de aeronaves, o que é de suma importância para o aluno, pois integra e consolida todos os conhecimentos teóricos previamente adquiridos. Nesta ocasião, o militar tem a oportunidade de interagir com os demais integrantes de seu grupo de trabalho, realizando o intercâmbio de conhecimentos e técnicas de abordagem durante uma Ação Inicial. Além disso, realiza visita a laboratórios técnicos de análise de componentes e exames de materiais, incrementando sobremaneira sua cultura aeronáutica, atualizando-se no que há de mais moderno na investigação de acidentes, e adquirindo ensinamentos que serão essencialmente empregados durante o estudo de uma ocorrência real;
– a modalidade presencial permite a abordagem e o desenvolvimento do chamado “currículo oculto”, caracterizado pelas interações durante as atividades curriculares e extracurriculares, enquanto a modalidade de EAD geralmente dificulta ou impede o desenvolvimento de conhecimento não integrante do currículo formal; e no caso específico do UAS, como dito anteriormente, não existe curso similar no Brasil. Logo, é fundamental a aquisição do conhecimento para o desenvolvimento e implantação do conjunto normativo de segurança na utilização do espaço aéreo, pelos nossos militares especialistas em Segurança de Voo, haja vista que esses modernos equipamentos, atualmente, estão sendo testados e experimentados doutrinariamente pelo Exército Brasileiro.
Deve-se ressaltar que a previsão da realização dos referidos cursos será considerada dentre várias outras ações na área de capacitação, envolvendo outros nichos de atividades, quando então a instituição atribuirá a respectiva prioridade a cada iniciativa de capacitação, posicionando-a dentre as demais. Assim, embora o Exército Brasileiro apresente parecer favorável à execução dos cursos em comento, a sua realização dependerá de análise futura.
Outro aspecto julgado importante é que a capacitação de pessoal que atua na Segurança de Voo tem o objetivo de tornar as ações da Aviação do Exército o mais seguras possíveis, recomendando os melhores esforços institucionais para atingir esse intento. Neste contexto, a consequência de não ter os quadros adequadamente preparados poderá ser inaceitável, pois um acidente aéreo provoca danos, por vezes irreparáveis às vidas humanas e a materiais de alto valor agregado. Brasília, DF, 1º de agosto de 2024.
Fonte: Sociedade Militar