Em Afuá carro é proibido e até ambulância é de bicicleta

Publicada em 

15 de maio de 2025

às

13h04

No coração da Amazônia, em plena Ilha de Marajó, existe um lugar onde o tempo parece correr em duas rodas, ou apenas com os pés. Em Afuá, no Pará, os sons dos motores deram lugar ao barulho suave dos pedais e ao vaivém das águas. Mais do que uma peculiaridade, a ausência de veículos motorizados é a marca de uma cidade que se reinventa sobre palafitas e desafia os padrões de mobilidade urbana do século XXI.

Construída em uma região alagadiça, Afuá é literalmente suspensa sobre a natureza. Suas ruas não tocam o chão: são passarelas de madeira erguidas a cerca de 1,20 metro acima do nível dos rios que cortam o território. Em vez de asfalto, água. Em vez de avenidas, canais. Não há estradas e, por decisão municipal tomada em 2002, nenhum carro, moto ou veículo com motor pode circular ali.

O motivo é prático, mas o resultado é revolucionário: sem trânsito motorizado, Afuá aboliu também a sinalização, os semáforos e as regras formais de tráfego. Não há placas ou faixas, mas há organização, regida pela cultura local e por uma convivência que aprendeu a navegar e pedalar.

Bicicletas, bicitáxis e bicilâncias

Em uma cidade onde 75% dos deslocamentos acontecem em veículos não motorizados, a criatividade dos moradores transformou a bicicleta em muito mais que meio de transporte. Ela é ambulância, táxi, viatura policial e até carro de noiva.

– Bicitáxi: junção de duas bicicletas que forma um quadriciclo artesanal.

– Bicilância: versão adaptada de ambulância com maca e suporte para oxigênio.

– Coleta de lixo e manutenção: também são realizadas com triciclos e quadriciclos a pedal.

A mobilidade sobre rodas sem motor se estende até os serviços públicos. Até a polícia faz patrulhamento de bicicleta, e os poucos veículos oficiais registrados, incluindo carros, caminhões e motos, pertencem exclusivamente às autoridades e são usados apenas em emergências.

Um exemplo de mobilidade que inspira

Ainda que tenha surgido por necessidade, a escolha por um transporte limpo e saudável colocou Afuá no radar de ativistas e urbanistas. Enquanto grandes centros urbanos buscam maneiras de reduzir a emissão de poluentes e estimular meios alternativos de transporte, Afuá já vive essa realidade há décadas.

Além dos benefícios ambientais, o cotidiano dos moradores é marcado por hábitos mais ativos. A locomoção cotidiana se transforma, involuntariamente, em exercício físico, favorecendo a saúde cardiovascular e o bem-estar mental da população.

Rios como ruas e bicicletas como bússola

Na transição entre o meio rural e o urbano, os rios assumem o papel de ruas. As embarcações funcionam como ônibus e automóveis. A cidade mais próxima por via fluvial não é a capital do estado, Belém, mas sim Macapá, no Amapá, acessível em cerca de três horas de barco.

O isolamento geográfico e a ausência de rodovias convencionais não são barreiras para a dinâmica da cidade. Pelo contrário: são elementos que reforçam a originalidade de um estilo de vida moldado pela geografia e reinventado pelas pessoas.

 

Por Henrique Rodrigues

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